Meus fantasmas
Meus fantasmas
Em uma destas madrugadas, de frio e insônia, sem que eu quisesse ou pudesse evitar, me veio a lembrança de meus mortos. Lembranças doces, ligadas a momentos felizes e importantes de minha vida, pessoas que marcaram e formaram minha personalidade, com seus exemplos e suas atitudes, e que hoje com carinho, relembro.
E como é comum, nestes momentos de duvidas sobre nossa fé, de perguntas sobre o que vira após, qual será a verdade ou a morada definitiva, lanço a pergunta e aguardo uma resposta dos vultos que me rodeiam. E fica a frustação de que só os momentos bons e felizes passaram, de que o presente de minha vida, esgarçada e ruída, fica me mostrando sempre e rindo com ironia, de mim mesmo, dizendo: _Quem mandou passar de lá?
Da minha infância ouço vozes e pergunto onde estarão minha avó Maria, meu bisavô José, os italianos do jogo da “ bisca “ no balcão da loja de calçados de meu avô; Fiori, cuori, ainda escuto. Sinto o sabor dos doces da Alice e vejo as mãos tremulas, grandes e apavorantes do barbeiro de meu avô e de meu pai.
Mais velho vou ao porão do João Murari, onde aprendi com meu pai, a arte do truco e relembro com certo medo, dos pássaros e bichos empalhados a preencher os espaços , do porão e de minha imaginação, pareciam querer andar ou voar. Onde estarão o Tanueiro, que sentia dor no calo da perna amputada, o Farmacia e seus cães perdigueiros, o Papis e seu caminhão, aberto a todos para as pescarias de domingo.
Entre os dezoito e vinte anos, as maiores perdas. Primeiro minha mãe, querida, com tanto sofrimento, que até me calejei para com a morte. Um ano depois, o meu exemplo de vida, o meu norte, meu avô Secondo. Das histórias da Itália, das caçadas de pombas e sabias, da criação de coelhos, do radinho de pilha, ouvindo a “voz do Brasil”. Do orgulho de ser um Martini, quando em uma apresentação me diziam; _ Há, filho do Raphael, neto do Secondo.
Onde estarão meu tio Nelsom e meu primo Paulo Roberto, minha madrinha Juracy, meu padrinho Bertolini e veio essa mistura com a família da Sully, que adotei como minha, a onde estarão pessoas que amei tanto e que tanta falta me fazem, onde estará tia Nita, o nono e a nona, amigos como o Sergio e o Pé, meu pai e amigo de tantas pescarias e caçadas, de tantos encontros e desencontros , pela vida, o meu querido tio Elio e minha tia e protetora Angelina.
Mais recente a partida da tia Clarice, do Né, de minha irmã Celia Regina. Paro em frente ao tumulo da família, num primeiro momento, em tom de brincadeira, e digo: _É, não tem mais lugar para mim aqui, não vou mais morrer. E pensando melhor e só, digo:_ Vou morrer e continua não tendo mais lugar para mim ali.
Há, esses meus mortos a passar pelo imaginário de minha vida, boa vida; mais amei do que fui amado, mais acarinhei do que fui acariciado, mais dei do que recebi, e acho isso ótimo, da a essa minha encruzilhada atual, mais compreensão ou até justificativa, para os meus erros, que foram muitos e espero que perdoados, e que mais uma vez, ao ter que tomar um caminho, eu possa decidir pelo futuro, pelo que vira, pelo novo sempre, mas embasado e calçado no passado.
E ao perguntar pelos meus, como fez Manoel Bandeira, compreendo o alcance do poeta, quando diz: “Estão todos dormindo, dormindo profundamente.”
Carlos Roberto Martini
(Itapoá), abril de 2014.